"Eis
que criadas camponesas matam sem razão, mas cruelmente, as frágeis crianças que
amam, que eram confiadas aos seus cuidados. A mulher de um jornaleiro, passando
necessidade, não mais suportando os gritos de fome de seu filho de quinze
meses, golpeia-lhe o pescoço com um cutelo, sangra-o, corta·lhe uma coxa, que
come. Ela conservava, no entanto, em plena miséria, uma cabra, um pedaço de jardim,
alguns repolhos. Antoine Léger, vinhadero, deixa a sociedade de sua aldeia,
vive nos bosques como um homem selvagem, agride uma menina e, não podendo
violentá-la, abre-a com uma faca. chupa-lhe o coração e bebe-lhe o sangue"
E
aí, o que você acha que é? Literatura? Hollywood? Sônia Abrão conseguiu um
furo!?
Pois são
ocorridos registrados em anais de higiene publica na França, em 1835, sim,
estou chocado, mas ainda mais que isso fascinado pela análise que apresenta a
obra onde descobri isto, que foi por acaso, em um livro organizado por Michel Foucault,
onde junto a acadêmicos do College de France transcreveu o caso “ Eu, Pierre
Rivieri, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão”, este é o título do
livro, pois é algo escrito pelo próprio parricida em um manuscrito que fez na
prisão e se tornou peça chave do julgamento. O motivo foi ver como sua mãe
fazia seu pai sofrer, sua irmã tomava partido ao lado desta, e o irmãozinho
serviu de bode expiatório “O irmãozinho foi golpeado primeiro por amar a mãe, e
também por ser este o único meio de jogar a cólera do pai contra ele, pois este
o amava muito, e assim sua morte seria menos lamentada pelo pai.” Ou seja, que o pai dele o odiasse por matar
aquela criança tão querida, a ponto de esquecer de se apiedar dele, e desejar
que ele sofresse a pena dos parricidas, por tal ato. O garoto tinha 7 anos, a
mãe estava grávida de outra criança, sete meses.
Ao que isso nos remete no
livro não é o que primeiro salta a vista, o clássico “no meu tempo era
melhor...”, certamente você já ouviu uma pessoa idosa falar isto, o Foucover da
Unicamp, o carequinha simpático, Lendro Karnal, que lembra mesmo o Foucault, já
diz que sua avó diz isso, e ele a lembra “mas vó, a senhora viveu a segunda
guerra, centenas de milhares de pessoas morreram em campos de batalha e câmaras
de gás”. A utopia de pensar que no passado tudo era mais calmo, quando o que
não existia era veiculação imediata dos acontecimentos. Estes casos mesmo podem
ter tido pouca repercussão, mas não o de Pierre, que foi analisado por médicos
para que se constatasse se era são, e por fim teve seu caso disputado pela
justiça e pela psiquiatria, artigos de jornal, e cartas ao mesmo jornal depois,
concordavam com a não condenação de Pierre a morte.. Até que o próprio rei
comutou a pena em prisão perpétua, pois se chegou ao acordo de que ao menos a
hora dos assassinatos aquela pessoa não fazia jus a razão. Anos depois, mantido
vivo em reclusão, ele se enforca na solitária da prisão, tal era seu desgosto
por não saber que merecia aquela pena, mas análises exteriores a toda sua vontade,
vieram para lhe atrapalhar. É justamente
a intenção do livro mostrar o embate de discursos travado em torno dos
culpados, e não mostrar a violência do primeiro período da idade contemporânea
pra dizer “uau, que chocante, também faziam isso sem mídia pra animar”, e daí
podemos ver que não é o vídeo game, não é o filme, que influencia por si só em
uma ocorrência violenta, mas outras causas sociais, lembrando Karnal novamente,
que a história humana é violenta, a história mundial é violenta, o Brasil não
foge a regra, os portugueses que trouxeram isso pra cá, certo? Antes viviam
aqui tranquilos indígenas, que por exemplo, invadiram aquela costa que seria a Bahia,
onde Cabral chegou, e devoraram os povos sambaquis que ali viviam. A violência
é sempre exclusivamente do outro, do estrangeiro, do vizinho, do rei,
mancomunado com a Igreja naquele tempo que fantasiamos, não de nós, não de
nossa cidade, do nosso país, daqueles camponeses obtusos como índios.
A causa
social para a potencial crueldade destes camponeses era que viviam passadas
três décadas da revolução francesa (a Revolução durou de 1789 a 1799, lembrem-se que
estamos em 1835), que de liberdade só dera a alguns a possibilidade de possuir,
de ter terras próprias e poder explorar os que não tinham, que continuavam
pobres, ou obrigados a trabalhar arduamente pra sobreviver de sua propriedade.
Os médicos começaram ir até esses camponeses, pois se via que era melhor
conservar, digo prevenir do que comprar outro, digo remediar, era melhor cuidar
dos que se tinha, do que deixar morrer para ter que adquirir outros. E os
médicos viram como eles eram rudes por dentro e por fora, pele grossa, cheia de
feridas. Por dentro ardia o ímpeto que não era mais contra o contrato nocivo
com o soberano, pagar tributos, trabalhar em algo que nunca seria seu, “Donde
os ódios entre contratantes e, Michel Foucault sugeriu-nos a idéia, o novo tipo
de criminalidade camponesa (crimes interiores na família, ou sancionando a
relação de propriedade, de arrendamento, de cultura de terras etc.).” Ou seja,
desapareceu o rei, dono de toda terra, a monarquia foi reformulada, desapareceram
os crimes contra o rei, que bem sabemos, e Foucault bem evidencia em Vigiar e
Punir, uma de suas obras mais famosas, como eram punidos, guilhotina, forca,
esquartejamento, tudo em praça pública, e os pedaços eram expostos, que
servisse de exemplo até depois de sua morte aquele que feriu a lei, pois a lei era
a palavra do sagrado pai de todos, o rei.
Diminuíram então, por exemplo, saques
aos castelos, aos arrendatários de impostos, e apareceram crimes mais
delimitados, contra os novos proprietários de terras e até a própria família,
cerca de 10 a
15 parricídios eram registrados por ano, diz o livro, aliás. Ou seja, o
equivalente a uma Suzanne von Richtoffen por mês. Pierre, por exemplo, era um
alienado, ou ser humano perverso? Era insano, por isso matou, ou matou com
total razão, sem arrepender-se depois, só esperando sua condenação? Ele possuía
escrúpulos religiosos, de inicio até dizia que era Deus quem o havia ordenado,
e que ele conhecia a palavra de Deus, depois admitiu descumpri-la, matando, mas
em uma boa causa, ainda que isso não lhe desse o direito de permanecer sem
pagar por ela, era exatamente o que ele queria.
Os debates médicos-judiciais divergiam entre si, em meio a tudo isso a palavra do próprio criminoso registrada, seu desejo de pagar por seu crime, de morrer como mártir da salvação, tanto que se negou a assinar o pedido para recorrer da sentença, até que o advogado de defesa e o pai tanto insistiram.
Toda sua vida resumida, todo o sofrimento que a mãe perpetrava ao pai, todo o senso de justiça e heroísmo que empreendeu para livrar o pai daquela insana. A palavra dos homens da lei, que queriam a condenação, das testemunhas oculares, depoimentos de conhecidos sobre a vida da família e os atos de Rivieri outrora, dos médicos, que alegavam sanidade, dos médicos que alegavam insanidade, visível em seus delírios juvenis, e sua descendência, até mesmo a mãe poderia ser louca para fazer da vida de Rivieri pai tal inferno, ela lhe pedia coisas e depois dizia que comprara muito caro, que vendesse, então dizia que vendera muito barato, queria viver apartada dele, quando estavam juntos não queria deitar-se com ele na mesma cama, lhe tirava as penas do travesseiro, lhe deixava sem nada com que se cobrir a noite, mas afastada fazia-o ir até outra propriedade que tinha comprado para ela para trabalhar nela, ou contratava outros, dizendo que ele os pagaria, contraia dividas só por maldade, o homem tinha que vender terra, animais, etc., para pagar, ele não revidava, mas quando o fazia ela contava a todos como a maltratava aquele homem, ia até juízes, promotores, etc. e a todo momento o pai de Pierri tinha que ter audiências com estes para se explicar; uma vez vendeu uma propriedade e teve que tirá-la de lá a força para que o fazendeiro pudesse ocupá-la, tirou primeiro os móveis, e depois teve de arrastá-la até a carroça para levá-la embora. Sua filha conhecia de todas as maquinações e permanecia ao seu lado. Quando Pierre executou o seu plano partiu dizendo a vizinhos que agora seu pai estava livre.
Os debates médicos-judiciais divergiam entre si, em meio a tudo isso a palavra do próprio criminoso registrada, seu desejo de pagar por seu crime, de morrer como mártir da salvação, tanto que se negou a assinar o pedido para recorrer da sentença, até que o advogado de defesa e o pai tanto insistiram.
Toda sua vida resumida, todo o sofrimento que a mãe perpetrava ao pai, todo o senso de justiça e heroísmo que empreendeu para livrar o pai daquela insana. A palavra dos homens da lei, que queriam a condenação, das testemunhas oculares, depoimentos de conhecidos sobre a vida da família e os atos de Rivieri outrora, dos médicos, que alegavam sanidade, dos médicos que alegavam insanidade, visível em seus delírios juvenis, e sua descendência, até mesmo a mãe poderia ser louca para fazer da vida de Rivieri pai tal inferno, ela lhe pedia coisas e depois dizia que comprara muito caro, que vendesse, então dizia que vendera muito barato, queria viver apartada dele, quando estavam juntos não queria deitar-se com ele na mesma cama, lhe tirava as penas do travesseiro, lhe deixava sem nada com que se cobrir a noite, mas afastada fazia-o ir até outra propriedade que tinha comprado para ela para trabalhar nela, ou contratava outros, dizendo que ele os pagaria, contraia dividas só por maldade, o homem tinha que vender terra, animais, etc., para pagar, ele não revidava, mas quando o fazia ela contava a todos como a maltratava aquele homem, ia até juízes, promotores, etc. e a todo momento o pai de Pierri tinha que ter audiências com estes para se explicar; uma vez vendeu uma propriedade e teve que tirá-la de lá a força para que o fazendeiro pudesse ocupá-la, tirou primeiro os móveis, e depois teve de arrastá-la até a carroça para levá-la embora. Sua filha conhecia de todas as maquinações e permanecia ao seu lado. Quando Pierre executou o seu plano partiu dizendo a vizinhos que agora seu pai estava livre.
Dentre o todos os discursos
sobre o criminoso, ainda há o discurso do criminoso, que assim não se julga
abominação, e sim herói, benevolente, era assim que eles, sem saber, claro, os
oprimidos, se faziam ouvir. Voltem ao cabeçalho se não se lembram dele, depois
leiam essa continuação que é com a qual concluo essa exposição. "Uns e
outros ficam abatidos por seus atos. "Esta criança, diz a primeira, quis
poupá-la de viver como eu, solitária. Sem alegria, mais vale morrer." a
miséria. diz a ogra. Deus me abandonou." "Tinha sede, explica o
ogro." Em alguma parte suas confissões gaguejantes anunciam: "Era a mim
mesmo que matava". E Pierre Riviere que coroa a linhagem memorável, não
grita para os vizinhos "eu matei", mas "eu morro por... meu
pai" (memorial de Pierre Riviere visto anteriormente)."
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